Semana passada fui cortar o cabelo num salão comum, frequentado pela classe média do Plano Piloto. E, é claro, sempre tem aquelas senhorinhas matracas e deselegantes dando seus palpites na vida alheia. Junto com o barulho insuportável do aparelho de fazer escova. Quando o rapaz começou a mexer no meu cabelo, veio a pergunta em voz alta da curiosa: "vai alisar?". Nem me dei o trabalho de responder mas o rapaz justificou que era apenas corte. Claro que a senhora deve ter imaginado que a negra "clarinha" aqui estava no salão de brancas para parecer uma delas.
Passa um tempo, serviço pronto, vem o "elogio" de outra senhora:
"- deixa assim, tá bonitinho, todo cacheadinho". Dessa vez, respondi:
"Pq a senhora não experimenta deixar os seus cabelos naturais e para de fazer escova?"
"- Não ,o meu não fica bonitinho assim como o seu não ".
"É difícil mesmo, mas tenta, quem sabe?".
Num salão onde 90% das mulheres e moços (sim, tinha um jovem tipo 18 anos, alisando. E o cabeleireiro também de cabelo esticado) vão para retirar qualquer vestígio de cachos na cabeça, é comum os frequentadores imaginarem que a presença de negras ali é para buscar o embranquecimento da aparência e sermos melhor aceitas no meio delas. Já ouvi tanta gente me "consolar" ao longo da minha vida com a frase: "- você não é preta, olha aqui como sou mais preto/a que você". Outros dizem: "nossa, como você tá branca! Tá precisando tomar um sol pra voltar o bronze bonito".
Estou contando tudo isso pra avisar que: sou preta sim, adoro ser preta, não vou alisar cabelo nenhum, quem quiser que alise o seu. E o próximo que vier com alguma conversinha desse tipo comigo vai levar. É isso.
Brasília, 19/04/2015
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*Já estamos em agosto de 2021. O tempo passou e as manifestações racistas, nos seus mais diversos níveis, desde comentários inconvenientes aos assassinatos, ainda são rotinas na vida do negro brasileiro.
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